Uma doença difícil de tratar e aínda incurável faz parte do cotidiano de muitos brasileiros. A solidariedade e o carinho da família, aliados ao convívio com as associações de apoio, são fundamentais para resgatar a inndependência do paciente, normalmente deprimido e isolado da sociedade.
Adolf Hitler, Saddam Hussein, o ex-presidente norte americano Harry Truman e mais recentemente o Papa João Paulo II popularizaram, aos desavisados, uma doença que já faz parte do cotidiano de muitos brasileiros. A doença de Parkinson se manifesta em uma a cada 500 pessoas, o equivalente a 28 mil, só na Grande São Paulo. Isso segundo estatísticas positivas, porque em centros de alta densidade populacional a incidência sobe para um a cada 200 habitantes. Atinge igualmente homens e mulheres, em- geral acima dos 50 anos. Apesar as causas não serem totalmente esclarecidas pela medicina, sabe-se que o estresse e a poluição, aliados a outros fatores genéticos e ambientais, podem desencadear a doença.
Os sintomas iniciais, como cansaço e fraqueza, são genéricos o suficiente para ocultar o diagnóstico. Quando surgem os chamados “sintomas primários”, os médicos entram em alerta: tremores, lentidão de movimentos, dificuldade de levantar-se e locomover-se, além de mudanças na fala são os aspectos típicos da doença que levam ao diagnóstico clínico. Não existe ainda um exame capaz de diagnosticar a doença com eficiência – o veredicto é baseado na observação.
Como não há uma prova cabal, os recém-diagnosticados costumam negar a doença (e o médico) a todo custo. Wilson Alves, presidente do Grupo Solidariedade Parkinson do Estado de Minas Gerais, é um exemplo: “Fiquei arrasado e não aceitei o diagnóstico. Briguei durante seis anos com o médico”. Ainda hoje, 14 anos depois, ele não consegue lidar bem com a doença. “Às vezes me dá vontade de sair correndo. O Parkinson estraçalha o doente e sua convivência familiar”.
Curto-Circuito
A doença de Parkinson é gerada pela falta de um neurotransmissor no cérebro, a dopamina. Essa substância ajuda a transmitir mensagens relacionadas ao movimento dos músculos, garantindo precisão e equilíbrio nas ações. A exposição a agentes tóxicos, como gases, pesticidas e manganês, encefalites ou pancadas recorrentes podem gerar lesão na substância nígra, parte do cérebro que produz a dopamina. Quando a morte dos neurônios é superior a 80%, começam a surgir os sintomas da doença.
Outra corrente acredita que o excesso de radicais livres produzidos pelas células é o responsável por matar os neurônios. Isso ocorreria apenas quando houvesse falha no sistema intracelular que defende as células dos radicais. A tendência genética existe, mas não é, de jeito nenhum, determinante. Menos de 5% dos parkinsonianos têm mais de um caso na família.
O médico Egberto Barbosa, especialista em Neurologia e responsável pelo setor de movimentos anomiais da clínica neurológica do Hospital das Clínicas de São Paulo, alerta que é comum que a doença seja induzida por anúpsicóticos ou remédios utilizados para tratar labirintite. “Mas essa situação é transitória. Retirando-se a medicação, o paciente volta ao normal”, garante o especialista.
Nos outros casos, em que não se pode atingir a causa, o controle da doença é feito conjugando-se três tipos de medicamentos. Um deles é a levodopa, uma “pró-dopamina” que se transforma em dopamina no organismo, repondo as doses perdidas. Os anticolinérgicos são usados para intensificar a absorção de dopamina. Por fim, a selegilina protege os neurônios remanescentes, evitando que a doença se alastre.
“Não existe prevenção porque a doença não está totalmente esclarecida. Cerca de 5% dos pacientes manifestam o Mal de Parkinson antes dos 40 anos. Provavelmente tiveram uma perda de neurônios em fases mais precoces da vida e com a morte natural das células causada pela idade a doença se manifestou”, esclarece o doutor Egberto.
Tratamento Traiçoeiro
O tratamento aparenta ser a solução, mas pode trazer problemas tão incômodos quanto a própria doença. Os anticolinérgicos, por exemplo, deixam a boca seca, dificultando a deglutição e provocando engasgo. Algumas vezes o paciente apresenta pneumonia por ter aspirado alimentos. A medicação também pode trazer constipação intestinal, às vezes severa.
A levodopa, especialmente nos mais idosos, pode causar confusão mental, paranóias ou alucinações. Distúrbios do sono, como sonhos vívidos, problemas respiratórios e vertigens também estão associados à droga. Mas os movimentos involuntários são, sem dúvida, o pior efeito da levodopa: o paciente resolve um problema motor e adquire outros, muitas vezes tão incômodos quanto o parkinsonismo. Quem exemplifica é Vânia Brandão, mulher de Wilson e sócia do Grupo Solidariedade Parkinson: “Hoje Wilson balança a cabeça para os lados o tempo todo, quando está sob o efeito dos remédios. As pessoas que estão por perto ficam muito aflitas, dá uma aparência de nervosismo constante”.
Outro problema que os pacientes enfrentam com o tratamento é que, com o tempo, ele vai perdendo sua eficácia. É o que relata o doutor Egberto: “A resposta à medicação vai caindo a longo prazo. Após cinco anos de tratamento, 50% dos pacientes apresentam pioras ou efeitos colaterais dos remédios. Após 10 anos, o número sobe para 80%”. Wilson, por exemplo, começou tratando-se com um comprimido de levodopa ao dia, e hoje toma um a cada três horas.
A presidente da Associação Brasil Parkinson em São Paulo, Marilandes Grossmann, por sorte não vivenciou essa experiência. Sofrendo de Parkinson há 18 anos, Marilandes continua respondendo à medicação. “Quando comecei a tomar os remédios, os médicos ignoravam que altas dosagens faziam com que o efeito diminuísse a longo prazo. Meu filho trouxe um material da National Parkinson Foundation, nos EUA, que alertava sobre o fato, e eu diminuí as doses”, conta.
Marilandes também submeteu-se à palidotomia, cirurgia realizada no globo pálido do cérebro, capaz de melhorar a rigidez muscular em 40% dos casos. Além dessa cirurgia, os pacientes contam ainda com a talamotomia, intervenção no tálamo, que diminui o tremor em até 80% dos casos. A cirurgia é hoje a forma encontrada para melhor controlar os sintomas da doença – e também da medicação. Mas não é isenta de riscos: quando feita no lado esquerdo pode gerar distúrbios da fala, e só é recomendada a pacientes que se submeteram aos medicamentos por cinco anos e não responderam bem a eles. O doutor Egberto faz uma ressalva: “As cirurgias têm de ser feitas em centros de excelência, com tecnologia avançada. O melhor é buscar os hospitais universitários”.
Hoje, estão em estudo técnicas para transplantar células capazes de produzir dopamina, como o transplante de células da substância nigra de fetos abortados ou de células produzidas por engenharia genética, mas ainda não são executadas rotineiramente.
Família: Mocinho ou Bandido
Para o parkinsoniano, lidar com a faniília pode ser mais difícil que com a própria doença, e o comportamento dos que o cercam é crucial para o sucesso de seu tratamento. Os efeitos conhecidos como on-off e freezing confundem a famflia, que chega a questionar se o paciente está doente mesmo ou está fazendo “manha”.
Explica-se: ao tomar a levodopa, o doente demora cerca de 40 minutos para se “ligar” e voltar ao normal. O efeito vai passando em algumas horas, e ele se “desliga”, manifestando novamente os sintomas de Parkinson. É o chamado efeito on-off. O comportamento inconstante é, para os desinformados, pura birra. “É comum a família achar que o parkinsoniano está de má vontade e quer chamar atenção porque não consegue falar como no dia anterior. Cada momento é único para quem tem a doença”, avalia Marflandes.
Vânia Brandão expõe uma situação ainda mais dramática. “Quando acaba o efeito do remédio, o paciente fica mais quieto, isolado, e a famflia acaba achando bom porque dá menos trabalho”. O efeito freezing também pode facilmente ser confundido com “manha”. O parkinsoniano “congela” de repente, bloqueia seus movimentos e pára de andar. É comum que o efeito seja desencadeado ao passar por portas.
A psicoterapeuta Clara Nakagawa, consultora da Associação Brasil Parkinson e especialista em gerontologia social, explica que a falta de compreensão da família pode ser responsável por outro sintoma comum a 50% dos parkinsonianos: a depressão. “Como eles mantêm intacta a sua inteligência, vão se sentindo muito diminuídos, com tendência ao isolamento. A família deve evitar que isso ocorra, mas como discriminam o doente e querem escondê-lo da sociedade, acabam fazendo o contrário: isoIam-se junto com ele”.
Como a lucidez está presente em 75% dos casos (nos outros 25% a doença afeta os neurônios de outras partes do cérebro), a família acaba acreditando que as limitações do paciente sejam “propositais”. Sentindo-se diminuído, o parkinsoniano costuma não pedir ajuda a ninguém, querendo afirmar sua auto-suficiência. Se não estiver muito atenta, a família acaba colocando-o em risco. “0 parkinsoniano quer fazer tudo sozinho e esconde muitas coisas. Pode levar um tombo e, por orgulho, não contar a ninguém”, exemplifica a doutora Clara. “É um problema. Eles querem fazer a barba sozinhos e cortam-se com a gilete”. Não conseguem tomar banho ou escovar os dentes direito e isso gera outros problemas de saúde. Eles não pedem ajuda a ninguém e rejeitam o sentimento de pena”, completa Vânia Brandão.
Para quem cortar um bife ou manejar uma escova são tarefas árduas, uma equipe de apoio dedicada garante a saúde e ajuda na independência. O trabalho começa na família, mas pode se estender para fora dela. Psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos são fundamentais. Marilandes conta que percebeu a importância da fisioterapia com o neto. “Estava batendo palmas com meu netinho e percebi que a rigidez dos meus dedos melhorou instantaneamente”.
A dentista Regina Ferreira, de Belo Horizonte, faz parte da equipe de apoio do Grupo Solidariedade Parkinson. Íntima dos problemas de seus pacientes, ela marca as consultas em horários próprios, para satisfazer seus clientes. Os problemas dentários são uma constante para quem dá preferência a alimentos moles – que não dão trabalho para cortar – e não consegue escovar os dentes corretamente.
Não há como negar as dificuldades. Normalmente, os pacientes ainda precisam enfrentar problemas financeiros. A maioria já está aposentada, por idade ou invalidez. Segundo a secretária da Associação Brasil Parkinson, Ana Alice Souza, cada um gasta no mínimo R$ 100 com remédios, mensalmente. “Por isso é tão difícil manter as associações. As pessoas não têm como colaborar conosco e nós vivemos dessas contribuições”.
Grande Força Emocional
As associações, espalhadas por todo o País, trazem informações adequadas, equilíbrio emocional e alegria aos pacientes, que reclamam em uníssono das consultas médicas, segundo eles, “muito curtas e cheias de termos técnicos”. Todas as associações promovem cursos, encontros e palestras para parkinsonianos e suas famílias. Só em São Paulo, são 3 mil pessoas que procuram a Associação para algum fim.
Encontrar um semelhante levanta a autoestima e tira a sensação de que se está sozinho. Para alguns, os benefícios foram mais além. “Desde que me envolvi com a associação, parei de tomar antidepressivos. E eram quatro por dia”, conta Marilandes. Wilson também luta contra a doença através de sua associação. “Se eu aceitar passivamente a doença, passo a me dopar, dopar, até sair do mundo”.
Mas sair do mundo é a pior alternativa. É possível conseguir, com apoio e sensibilidade da família e amigos, uma boa qualidade de vida nas décadas que virão. A busca pelo prazer de viver não termina no diagnóstico, como constata Marilandes. “Pode-se morrer com Parkinson, mas nunca de Parkinson”, decreta ela.